Conselho de Unidade do CFH subscreve Nota em defesa dos direitos territoriais indígenas

16/12/2016 09:29

Em reunião realizada nesta quinta, dia 15 de dezembro, o Conselho de Unidade do CFH decidiu subscrever a seguinte Nota, já assinada por centenas de entidades e órgão ligados às populações indígenas do Brasil.

“NOTA DE REPÚDIO À PROPOSTA DO GOVERNO TEMER PARA RETIRAR DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE SUAS TERRAS As organizações e grupos abaixo assinados, em apoio aos povos indígenas do Brasil, manifestam repúdio à minuta de “Proposta de regulamentação da demarcação de terras indígenas” que, somada a outras medidas de retrocessos de direitos constitucionais em diversas áreas sociais, estão sendo impostas pelo atual governo à sociedade brasileira à revelia da lei, de maneira atropelada, autoritária e ilegítima. Sem qualquer diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista CNPI, nem consulta prévia aos povos indígenas, a minuta de decreto, que veio à público pela imprensa no dia 12.12.2016, contraria a legislação vigente e a jurisprudência e impossibilita a resolução dos conflitos atuais, pelos motivos que seguem:

1. Desrespeita a Constituição Federal Brasileira de 1988 ao ignorar o direito originário que os povos indígenas detêm sobre suas terras e recursos naturais, ou seja, direito que antecede à constituição do Estado brasileiro, além de tratar direitos fundamentais como objeto de negociação, desconfigurando a noção de usufruto exclusivo e o caráter imprescritível do direito indígena sobre suas terras.

2. Desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada, garantida pela Convenção 169/OIT ao preparar um Decreto de extremo impacto sobre os povos indígenas, não apenas sem consultá-los, no apagar das luzes de um ano difícil como o de 2016, numa clara manifestação de máfé.

3. Atenta contra direitos constituídos dos povos indígenas, ao reabrir para revisão atos demarcatórios já consolidados, promovendo conflitos em áreas já pacificadas, ao submeter todas as terras indígenas ainda não registradas em cartório ou SPU a novo período de contestação por quaisquer “interessados”.

4. Viola os princípios de razoabilidade e eficiência da administração pública ao submeter todos os processos de demarcação em curso à estaca zero, independente da fase em que se encontrem, para cumprir novas regras sobre o processo demarcatório, criadas para dar espaço a decisões políticas sem respaldo técnico.

5. Distorce os termos da Declaração da ONU sobre o direito à reparação em casos de inconstitucional remoção dos povos indígenas de suas terras tradicionais, ao abrir a possibilidade de substituição da efetivação do direito à terra por indenização em dinheiro e ao legitimar e oficializar crimes de esbulho territorial cometidos no passado recente contra as populações indígenas.

6. Institui tratamento ainda mais desigual aos povos indígenas perante a Justiça, ao introduzir como regra geral todas as condicionantes definidas especificamente para o julgamento da PET 3388, e aplicar “manifestações individuais de Ministros do STF” para restringir direitos, como se fossem súmulas vinculantes.

7. Normatiza a inconstitucional aplicação da tese do Marco Temporal para legitimar situações de esbulhos de terras indígenas, posses ilegítimas, irregulares e ilegais e, consequentemente, outras violações de direitos humanos dos povos indígenas.

8. Transforma a Funai em órgão assistencialista, ao retirar seu papel de órgão de defesa dos direitos indígenas, colocandoa no papel de instância de legitimação de violações de direitos territoriais ou, quando muito, que contabilizaria danos materiais a serem indenizados.

9. Atende aos interesses de setores que pressionam pela aniquilação da existência dos povos indígenas enquanto povos autônomos e culturalmente diferenciados, ao criar instâncias revisoras no Ministério da Justiça e Cidadania que tendem a reforçar o poder de barganha política sobre os direitos indígenas ultrapassando suas competências legais.

10. Contraria recomendações ao Brasil da Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, bem como recente Resolução do Parlamento Europeu sobre o tema, agravando violações de todos os direitos humanos dos povos indígenas já indicadas nestes documentos.

Pelos motivos expostos, entendemos que a minuta de Decreto revela o propósito do atual governo, no sentido de enterrar as políticas de demarcação de terras indígenas, de regularização fundiária, de reforma agrária e ordenamento territorial do país.

Sem legitimidade ou justificativa para criar novos procedimentos de demarcação, a proposta minutada não oferece soluções para os conflitos existentes, cria novos entraves e aprofunda as violações e violências contra os povos indígenas no país. Parece querer voltar no tempo das inaceitáveis políticas de confinamento territorial e de assimilação cultural, que podem levar ao extermínio sociocultural ou etnocídio dos povos indígenas.

Enfim, trata-se de gravíssima situação de retrocessos no campo dos direitos humanos e dos direitos constitucionais, onde o Estado democrático de Direito é mais uma vez colocado à prova.

Esperamos que a referida proposta seja definitivamente arquivada e que sejam tomadas iniciativas a fim de que se cumpram os direitos fundamentais dos povos indígenas às suas terras tradicionais conforme determina a nossa Carta Magna, demais legislação em vigor e os princípios internacionais de direitos humanos.

Conjuntamente e em apoio a Mobilizacao Nacional Indigenas.
Integra do documento com as assinaturas das entidades em:
https://docs.google.com/document/d/189CGGR8YRyKY-KmHVkujkNpbSYNrCP-T5v8OZYuq-hY/edit?ts=5851672a